Muitos conceitos relacionados ao desenvolvimento têm sido utilizados de forma confusa e muitas vezes abusiva. Em artigo recente, Markus Brose[1], diretor executivo da CARE Brasil, faz uma crítica bastante interessante sobre o uso do termo sustentabilidade. Esses termos “folgados”, que se encaixam com folga em qualquer lugar, são utilizados desde iniciativas de grandes multinacionais, como a Unilever, até movimentos sociais de base, como os quilombolas, criando um espectro confuso das diferentes propostas de desenvolvimento.
Imagino que a vaguidão, por assim dizer, de termos hoje amplamente utilizados, como desenvolvimento social, desenvolvimento local, sustentabilidade, desenvolvimento sócio-ambiental, desenvolvimento sócio-ambiental sustentável integrado e etc e etc e asas à imaginação e etc, seja reflexo de algo mais profundo: a falta de um modelo de desenvolvimento nos dias atuais.
E por onde começar? Construir modelos fechados se mostrou bastante perigoso ao longo da história, uma ideia excessivamente clara pode omitir aspectos importantes da realidade que é complexa, e muitas vezes nebulosa, e por fim, omitir os próprios seres humanos, como fizeram o marxismo e o neoliberalismo.
O Cardeal Gianpaolo Crepaldi[2] recentemente em evento da Fondazione Ottimista, ouviu de Antonio Gaspari que “a falta de um projeto cultural e a fraqueza ao responder o processo de secularização” são os principais aspectos da perda de espaço do pensamento católico no debate público. Acredito que a mesma falta de um projeto cultural pode ser apontada nos projetos políticos da última década. Muitas vezes tenho a impressão de que estamos vivenciando um processo cujo impulso foi dado há décadas atrás, ladeira abaixo, e nos limitamos apenas a debater com qual intensidade puxamos o freio.
Apesar das grandes instituições e os partidos políticos não apresentarem algo realmente novo à sociedade, oferecendo uma alternativa vigorosa, e acho que a palavra vigorosa cabe muito bem aqui, ao modus vivendi atual, o mesmo não se pode dizer de alguns grupos como os novos movimentos e comunidades católicas. Casos como o da Economia de Comunhão[3] e também de alguns grupos de empreendedorismo social como o Acumen Fund[4] e ainda em certa medida algumas iniciativas de Economia Solidária[5] na América Latina, nos oferecem esperança para um novo projeto político.
Numa sociedade que já consegue manter sua sobrevivência material por meio das técnicas existentes, diz Joseph Stiglitz que já podemos acabar com a pobreza extrema nesta década, o tema da felicidade começa a ganhar relevo também em matéria econômica. Afinal, os desafios de produtividade para o pleno desenvolvimento parecem já ter sido superados, resta-nos a desigualdade e o gerenciamento desses recursos para que cooperem para a plena realização das pessoas.
O estudo da felicidade humana pede por uma antropologia que indique o caminho da sua realização e aqui a Doutrina Social Católica, bem como todo ensinamento ético de Tomás de Aquino e dos Padres da Igreja têm muito a dizer.
Para fazer essa intermediação entre economia, política e realização humana, um conceito muito importante que tem sido trazido à pauta pelos pensadores da Economia de Comunhão é o de bens relacionais. Bens que surgem do relacionamento gratuito entre as pessoas. Embora uma consulta médica possa ser tratada como um bem econômico tradicional, a atenção e cuidado do médico são bens relacionais, que só surgem quando efetivamente gratuitos. Eu posso ser curado por um médico desatencioso, mas não posso ser feliz sem uma relação gratuita.
Este link entre economia, política pública, felicidade e realização humana criado pelos bens relacionais permite aos políticos atuais formarem propostas para uma sociedade que já ultrapassou o limite da sobrevivência econômica e que está em busca de sua plena realização humana. Uma proposta política fundada no incentivo às relações gratuitas, bens relacionais, e num sistema educacional que leve os homens a cultivar sua plena realização, já oferecem parte dos fundamentos do que pode ser uma nova proposta de desenvolvimento.
[1] http://www.care.org.br/wpcontent/themes/CARE/Util/pdf/artigos/20100701_BROSE_Markus_E-a-pegada-social.pdf
[5] Entre muitas referências, segue esta: http://www.fbes.org.br/